segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Navio-auditório e classe média “espontânea”

por Ilana Feldman

Em Pacific (2009), desconcertante filme de Marcelo Pedroso, o diretor organiza narrativamente, por meio da montagem, imagens domésticas captadas por passageiros do cruzeiro Pacific, cujo trajeto, de Recife à ilha de Fernando de Noronha, promete realizar os sonhos de consumo, entretenimento e excitação permanentes de uma classe média à vontade, “espontânea” e emergente. Performando-se para as suas próprias câmeras, construindo-se para as suas próprias imagens, os passageiros de Pacific, como quaisquer turistas, colecionam e acumulam experiências, sensações e imagens-síntese de uma passageira vida-lazer, adquirida a suadas prestações do cartão de crédito.



“Que nossos queridos passageiros tenham todos mais um excelente espetáculo!”, diz, para a platéia de passageiros com filmadoras em punho, o apresentador do navio-auditório, onde não pode haver tempo morto nem pausa, observação distanciada nem contemplação passiva. Na vida-lazer do navio-auditório que o filme Pacific nos apresenta (de outra ordem daquela desejada pela prostituta de Viajo porque preciso, volto porque te amo), é preciso ser permanentemente interativo, participativo e colaborativo. Pois a vida-lazer aqui, seja encenada para si, encenada para o outro ou encenada para nós – ainda que à força do deslocamento dessas imagens, que deixam de habitar o âmbito da privacidade para tornarem-se publicidade –, em realidade, é uma vida-trabalho.

O filme é interessantíssimo e fundamental para pensarmos, entre outras questões, a relação entre imagens amadoras, performance e produção subjetiva (em meio a um "navio auditório" habitado por uma classe média "espontânea"):

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